quinta-feira, 11 de julho de 2013

É possível acabar com a malária no mundo?


É possível eliminar a malária das zonas onde é endémica? Pela primeira vez, um modelo matemático mostra que a erradicação desta doença - que por ano infecta 200 a 500 milhões de pessoas e mata um a dois milhões - é uma possibilidade. Desenvolvido por cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, em colaboração com colegas britânicos no Quénia, o modelo estudou a transmissão da malária em regiões subsarianas de África e os resultados estão na revista PLoS ONE.

Neste modelo, pela primeira vez teve-se em conta o peso da malária escondida - aquelas infecções sem sintomas, em que os infectados desenvolvem imunidade clínica contra o parasita. Nas zonas onde a malária é endémica, muitas pessoas, infectadas uma e outra vez, desenvolvem esta imunidade, sem ficarem doentes. 

Só que esta malária escondida, como lhe chama a líder da equipa que desenvolveu o modelo, Gabriela Gomes, do IGC, é importante para a forma como a doença se dissemina na população. Porque os infectados assintomáticos mantêm a capacidade de transmitir a doença a outras pessoas ­- através dos mosquitos anófeles, que se alimentam de sangue humano, e ao picarem uma nova pessoa lhe transmitem o parasita da malária.

Como estes infectados se mantêm sem sintomas, a infecção não chega a ser tratada e prolonga-se por mais tempo do que num doente submetido a tratamento (o parasita pode manter-se seis meses no organismo).

"Há todo esse reservatório de malária assintomática na população, que tem uma importância muito grande para a transmissão e se reflecte nos casos clínicos que chegam ao hospital", sublinha Gabriela Gomes, de 42 anos, modeladora matemática. 

A percentagem da população que constitui o reservatório da malária escondida é grande, embora variável, diz Gabriela Gomes. Pode ir dos dois por cento, nas regiões de baixa transmissão da doença, aos 90 por cento nas regiões de alta transmissão. Nas zonas de transmissão intermédia, observadas na maior parte de África subsariana, é de uns 30 por cento.

Para ver até que ponto os assintomáticos são importantes na transmissão da malária, aplicou-se o modelo às admissões hospitalares de crianças em oito zonas endémicas (Quénia, Gâmbia, Malawi e Tanzânia). Verificou-se que a estimativa do papel dos assintomáticos se ajustava à realidade: só assim se explicava o número de crianças que chegava ao hospital.

Tratar toda a gente

Os cientistas identificaram ainda o peso dos assintomáticos na disseminação da doença. É grande: transmitem-na seis vezes mais do que um infectado na fase clínica, que apresenta sintomas como febre e suores. Assim, as medidas de erradicação não podem limitar-se ao extermínio dos mosquitos ou a tratar quem tenha sintomas. Têm de incluir o reservatório escondido da malária, tratando-o com fármacos antimaláricos. 

Se tal for feito, o modelo mostra que há um limiar a separar o estado endémico de outro livre da malária, em zonas de transmissão moderada. "O nosso é o primeiro modelo que diz que malária e erradicável. Apresenta uma visão optimista, o que contraria as ideias correntes", diz a cientista. "Este limiar de erradicação diz-nos durante quanto tempo temos de tratar toda a gente, para encurtar as infecções crónicas. Depende das regiões: no distrito de Foni Kansala, na Gâmbia, se se tratassem os assintomáticos durante dois anos, conseguiríamos erradicar a malária."

Nas zonas de alta transmissão, esta medida não chega. "São necessárias medidas adicionais, como secar pântanos e usar redes antimosquitos, para as transformar em regiões de transmissibilidade intermédia." E então aplicar os fármacos. "Este modelo é muito poderoso, porque permite determinar alvos quantificáveis para reduzir a transmissão da malária e combater a doença", diz o principal autor do trabalho, Ricardo Águas, de 26 anos, do IGC.

O desânimo surgiu depois da tentativa de acabar com a epidemia na América Latina e na Ásia, nos anos 60, com insecticidas. "Os mosquitos desenvolveram resistência e houve um grande desânimo. Será que é erradicável?", conta Gabriela Gomes. 

Mas como testar e tratar o tal reservatório, em países com dificuldades? Por questões logísticas, o melhor é dar fármacos a todos, protegendo até quem não tem o parasita, diz Gabriela Gomes. "É um esforço imenso, que só funcionará se houver imensos recursos. Mas há organizações, como a Fundação Bill e Melinda Gates e a OMS, a apoiar a luta contra a malária."